sábado, 8 de maio de 2010

Drummonianas

Lira do amor romântico

Ou a eterna repetição

Atirei um limão n’água
e fiquei vendo na margem.
Os peixinhos responderam:
Quem tem amor tem coragem.

Atirei um limão n’água
e caiu enviesado.
Ouvi um peixe dizer:
Melhor é o beijo roubado.

Atirei um limão n’água,
como faço todo ano.
Senti que os peixes diziam:
Todo amor vive de engano.

Atirei um limão n’água,
como um vidro de perfume.
Em coro os peixes disseram:
Joga fora teu ciúme.

Atirei um limão n’água
mas perdi a direção.
Os peixes, rindo, notaram:
Quanto dói uma paixão!

Atirei um limão n’água,
ele afundou um barquinho.
Não se espantaram os peixes:
faltava-me o teu carinho.

Atirei um limão n’água,
o rio logo amargou.
Os peixinhos repetiram:
É dor de quem muito amou.

Atirei um limão n’água,
o rio ficou vermelho
e cada peixinho viu
meu coração num espelho.

Atirei um limão n’água
mas depois me arrependi.
Cada peixinho assustado
me lembra o que já sofri.

Atirei um limão n’água,
antes não tivesse feito.
Os peixinhos me acusaram
de amar com falta de jeito.

Atirei um limão n’água,
fez-se logo um burburinho.
Nenhum peixe me avisou
da pedra no meu caminho.

Atirei um limão n’água,
de tão baixo ele boiou.
Comenta o peixe mais velho:
Infeliz quem não amou.

Atirei um limão n’água,
antes atirasse a vida.
Iria viver com os peixes
a minh’alma dolorida.

Atirei um limão n’água,
pedindo à água que o arraste.
Até os peixes choraram
porque tu me abandonaste.

Atirei um limão n’água.
Foi tamanho o rebuliço
que os peixinhos protestaram:
Se é amor, deixa disso.

Atirei um limão n’água,
não fez o menor ruído.
Se os peixes nada disseram,
tu me terás esquecido?

Atirei um limão n’água,
caiu certeiro: zás-trás.
Bem me avisou um peixinho:
Fui passado pra trás.

Atirei um limão n’água,
de clara ficou escura.
Até os peixes já sabem:
você não ama: tortura.

Atirei um limão n’água
e caí n’água também,
pois os peixes me avisaram,
que lá estava meu bem.

Atirei um limão n’água,
foi levado na corrente.
Senti que os peixes diziam:
Hás de amar eternamente.

As sem-razões do amor

Eu te amo porque te amo.
Não precisas ser amante,
e nem sempre sabes sê-lo.
Eu te amo porque te amo.
Amor é estado de graça
e com amor não se paga.

Amor é dado de graça,
é semeado no vento,
na cachoeira, no eclipse.
Amor foge a dicionários
e a regulamentos vários.

Eu te amo porque não amo
bastante ou demais a mim.
Porque amor não se troca,
não se conjuga nem se ama.
Porque amor é amor a nada,
feliz e forte em si mesmo.

Amor é primo da morte,
e da morte vencedor,
por mais que o matem (e matam)
a cada instante de amor.

A língua lambe

A língua lambe as pétalas vermelhas
da rosa pluriaberta; a língua lavra
certo oculto botão, e vai tecendo
lépidas variações de leves ritmos.

E lambe, lambilonga, lambilenta,
a licorina gruta cabeluda,
e, quanto mais lambente, mais ativa,
atinge o céu do céu, entre gemidos,

entre gritos, balidos e rugidos
de leões na floresta, enfurecidos.

Para sempre

Por que Deus permite
que as mães vão-se embora?
Mãe não tem limite,
é tempo sem hora,
luz que não apaga
quando sopra o vento
e chuva desaba,
veludo escondido
na pele enrugada,
água pura, ar puro,
puro pensamento.


Morrer acontece
com o que é breve e passa
sem deixar vestígio.
Mãe, na sua graça,
é eternidade.
Por que Deus se lembra
- mistério profundo -
de tirá-la um dia?
Fosse eu Rei do Mundo,
baixava uma lei:
Mãe não morre nunca,
mãe ficará sempre
junto de seu filho
e ele, velho embora,
será pequenino
feito grão de milho.

Dentro

Me escondi
Pra não ter que ver você dizer
Coisas que eu não merecia ouvir
Era você ou eu

Escolhi
O pior lugar pra me esconder
Me tranquei por dentro de você
E não sei mais sair

Pela rua penso em ti
Volto em casa, penso em ti
No trabalho sem querer
Quando vejo tô pensando em você
E surgi de onde eu não imaginei
E aprendi que eu nunca sei
Enganar meu coração

Escrevi frases soltas pelo chão
Esperei você dormir
Pra jurar minha paixão

Escolhi
O pior lugar pra me esconder
Me tranquei por dentro de você
E não sei mais sair

Pela rua penso em ti
Volto em casa, penso em ti
No trabalho sem querer
Quando vejo tô pensando em você
E surgi de onde eu não imaginei
E aprendi que eu nunca sei
Enganar meu coração

Escrevi frases soltas pelo chão
Esperei você dormir
Pra jurar minha paixão

O último pôr-do-sol

A onda ainda quebra na praia,
Espumas se misturam com o vento.
No dia em que ocê foi embora,
Eu fiquei sentindo saudades do que não foi
Lembrando até do que eu não vivi
pensando nós dois.

Eu lembro a concha em seu ouvido,
Trazendo o barulho do mar na areia.
No dia em que ocê foi embora,
Eu fiquei sozinho olhando o sol morrer
Por entre as ruínas de santa cruz lembrando nós dois

Os edifícios abandonados,
As estradas sem ninguém,
Óleo queimado, as vigas na areia,
A lua nascendo por entre os fios dos teus cabelos,
Por entre os dedos da minha mão passaram certezas e dúvidas

Pois no dia em que ocê foi embora,
Eu fiquei sozinho no mundo, sem ter ninguém,
O último homem no dia em que o sol morreu

terça-feira, 4 de maio de 2010

Vigília

Na noite fria e escura
Sem a presença da lua
Abaixo da janela me deitei
Uma fresta aberta eu deixei
Só para ouvir Ela chegar

Passava um carro
E mais uma dezena
Mas nenhum deles
Trazia a minha morena

Mas minha não é mais
Ficaram lembranças de outras chegadas
Uma até com rosas embrulhadas
Que não quero esquecer, jamais.

sábado, 1 de maio de 2010

O inexplicável

Há pessoas com quem você não se consegue desligar. São tantas coisas vividas juntos que o tempo vira mera arbitrariedade, convenção tão pequena, ínfima... Ah, régua humana limitada! Fica um elo tão forte que a tentativa de negá-lo, mesmo que a toda força, torna-se a maior das brigas. É conflito tempestuoso, doloroso, porque saltam canhões a apontar contra... si mesmo. A tentativa de preencher o vazio deixado vira uma batalha injusta com aquilo que se sente. Porque fica a ânsia pelo arroubo, o impulso de vida vindo daquela energia que circulava até há pouco tempo. A essência ainda está ali, impregnada em você, em algum lugar que não consegue explicar, por mais que vasculhe os cantos da alma. Mas, como em um teatro shakesperiano, afloram os dramas humanos, em dúvidas, incertezas. E se há trilha sonora, violinos abrem uma sinfonia em tom agudo, num lamento entrecortado por flautas, clarinetes, trompas e trombones. Os instrumentos somam-se nessa orquestra descontrolada, formando um tutti, que retoma o agudo dos violinos ao final. A vontade é de mudar a sinfonia ou a peça, mas se percebe que nem tudo é tão simples. Fica o desejo de algo sem fim, com um perfume de rosas a cobrir e resgatar a força de momentos felizes. Em cena, pétalas se juntam num mosaico imenso, sem que se consiga ver o horizonte, celebrando o encontro. Que desse impulso imaginativo elas se materializem e o vento as carregue por léguas, nem que sobre ao menos uma delas...