segunda-feira, 22 de agosto de 2011

Alguns graus de febre

O termômetro apontou a febre. Mas esse termômetro não passava de uma simples luz piscante em um painel. Não havia qualquer temperatura para conferir ou aparelho para apalpar entre os dedos. Parei, abri o capô no meio do caminho – era um simples fim de tarde de sábado, luz do sol esvaindo, no trajeto para o mercado mais distante, infeliz tentativa de economizar alguns reais. Cabeçote do motor, ok. Fluidos, ok. Para garantir, pedi ao moço do posto para me emprestar um pano ou papel para checar novamente a vareta de óleo. Ele veio prestativo e conferiu o nível. Estava exatamente no meio das indicações mínima e máxima. “Já tive um Ka também, e de vez em quando ele faz dessas. Dá uma piscadinha, mas não é nada demais. Pode ser problema do painel”.
“Humpf”... pensei. Meu Ka não é um simples Ka. É o meu Ka, ora essa! As duas únicas vezes que o painel mostrou anormalidades, não falhou! Que diabos o meu tem a ver com o dele??! Infeliz tentativa em me conformar diante de minha expressão facial fechada, garanto! Lembro bem: a primeira denúncia aconteceu quando apresentei o Trabalho de Conclusão de Curso da pós-graduação, em Ponta Grossa. Quando viajava mais cansado que aliviado pela bomba de nervosismo que fora a apresentação – decepcionante, pois éramos eu, o orientador e os avaliadores em uma claustrofóbica sala a esmiuçar aquele artigo horrível, já que o senso crítico não havia perdido àquela altura – eis que me pisca a luz do freio. Chegando em casa, no final de uma viagem de pouco mais de uns 250 quilômetros, se não me falha a falta de internet para checar a distância de Guarapuava até lá. Alcançava 1h da manhã de uma fatídica sexta-feira de fim de julho. Parei em um posto, peguei o manual do carro que carrego à porta – um amigo que é melhor nem citar já tirou sarro por consultar manuais e por tantas outras coisas que não cito para não me chamar de rancoroso – e descobri ser o freio o problema. Fazia sentido, pois a luz piscava justamente nas curvas em que cravava o pé no pedal do meio. Parei em um posto também e o experiente frentista matou a charada! É o fluido de freio. Menos mal, o que me custo uns 20 ou 30 reais a época. O frasco nem se foi inteiro... continua guardado, envolvido em uma sacola para não vazar, na porta do meu carro.
A outra vez em que piscou o painel foi no Natal do ano passado. Ah, garanto que não foi tão tranqüilo quanto na primeira. Eu tinha o carro há mais de 9 meses – era meu filho, e dando trabalho – e vazava óleo. Não sabia de onde. Meu avô, caminhoneiro em décadas passadas, não sabia de onde saía aquele vazamento. Compreensível, pois devia dirigir Alfa Romeos, Fiats, Mercedes-Benz onde tudo era muito simples, não um pequeno carro de rua cheio de eletrônica e até direção hidráulica. Após chamar o amigo de igreja, que apesar da imensa boa vontade, não soube identificar o problema, voltei com suas bênçãos e preocupações para Alto Piquiri – lhe trazia a Umuarama numa viagem de 40 km, onde passou a data com outros familiares meus. Parei no trevo, liguei do celular de minha tia que me fazia companhia na viagem ao meu pai informando o infortúnio: “acendeu a luz do aquecimento. Daqui, não saio, só um guincho me tira”. Para ser franco, não foi bem com essas palavras. Mas o sentido é o mesmo, fica o gracejo.
Mas, e aí, o que aconteceu? Após 40 km cuidando do meu rebento de lata e plástico amarrado em cabos de aço, chacoalhando-se longe das minhas mãos, fui saber que era uma mangueira arrebentada. Mais um dia e um mecânico tira uma peça de aço, o tal do coxim, arrebentado. O motivo? O que mais haveria de ser, senão estradas esburacadas para quebrar uma peça de aço, bem na junção de parafusos?
Uma coisa é preciso ser dita. Meu carro há meses faz ruídos. E sabe por quê? Por culpa de governantes inescrupulosos! Se caio na estrada, caio nos buracos. Se caio na cidade, caio de novo nos buracos!Diga-me, que equipamento por mais conservado e cuidado que seja resiste a um enredo lunar como esses? Nunca fui de gostar de queijos suíços, quanto mais em asfalto! Cabe dizer que moro em Guarapuava e que uso o carro para viagens de Ivaiporã a Umuarama/Alto Piquiri. Passo por cidades como Quinta do Sol (para não dizer os quintos de alguma coisa menos apreciável).
Mas todo esse rodeio para voltar ao termômetro. Voltei à rua e nada mais se apresentou. Fiz as compras e dei um bom intervalo para resfriar o motor. Só que não bastou 10 minutos de quarta marcha para esquentar de novo. No estacionamento de outro mercado – aqui em Guarapuava não se consegue fazer uma compra completa em um lugar só, pois os preços divergem e tuas preferências nunca são atendidas – notei o barulho da ventoinha. Sim! É aquela peça tal qual um ventilador que resfria o motor. Aquilo não parava de funcionar. Só quando eu tirava a chave da ignição.
No fim, voltei para casa sem saber qual o mal acometia o pequeno “Johnmóvel’. Reconheço o patético apelido que dei, não fosse o carinho que sinto pelo primeiro bólido 1.0 que tenho em mãos. O primeiro de todos – nem se virão outros, porém aperta o coração ter de passá-lo a frente mais alguns meses, logo ele, com o qual sorri em felicidade passageira, chorei em momentos tristes, suspirei em amores, descobri pessoas e lugares desconhecidos, passei calor, frio, enfrentei chuvas, neblinas densas, curvas sinuosas. Se pudesse, o colocaria em um museu particular de coisas que resistem ao tempo. É... Dói saber que terei de levá-lo ao médico. De novo! Não lhe bastavam os freio ruidosos, o rolamento arrebentado pela querida gestão pública de ruas e estradas.
Pior é não saber do que se trata. A febre parece daquelas de gripe passageira. O menino está andando muito bem na rua, com as mesmas linhas arredondadas a la Niemeyer – quanta pretensão de minha parte! A Ford vai me dar comissão agora – o mesmo ronco bravo de motor novo, o tamanho pequenino, tão bem adaptado aos pequenos espaços de nossas cidades. Que delícia irresistível é estacionar meu pequeno frente a uma dessas banheiras de traseiras afinas ou empinadas, gastonas dos guarapuavanos – créative technologie – bah!
Espero que seja apenas uma pecinha de nada a botar meu pequeno em febre... Mas, é engraçado, infeliz leitor desse mal escrito, como personificamos um monte de aço, plástico e fluidos. Maldita miséria de nossas coisas pequenas!

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