De repente, cansou-se! Não quer mais sentir a areia. Grãos finos unidos em fortes rajadas. Por muito tempo, linhas desconexas levantaram-se do solo fino, até juntarem-se todas. A tempestade durou horas. Ou foram dias? Meses, talvez. O tempo dilatou-se em material espesso, a colidir sobre o corpo. O uivo do vento abafava o único som que poderia vir na paisagem deserta. Batidas de coração céleres. Medo. Buscava o mar. Não encontrava. Olhos irritados e cerrados, pés centímetros sob chão fofo. Até que sentiu-lhes. Ampliou os sentidos. Moveu-se até conseguir se desfazer da terra pesada. Veio o choque. A água bateu forte! Escorreu a terra na pele. Mais! molhou o rosto e atirou-se à primeira onda. Densa e forte. Acostumou-se ao frio das correntes líquidas. Retornou à superfície. No rastro do sol cadente, azul escuro. Imensidão. A lua cheia corta o céu. Encontro com a penumbra. Sombra de nós mesmos. Procura o amanhecer. Labirinto cósmico da alma.
Tem muita gente por aí que precisa aprender com o Ferreira Gullar...
Raiz da intolerância
Ninguém representa maior ameaça à liberdade do outro do que quem se considera dono da verdade. E a lógica que conduz da certeza inquestionável ao linchamento do discordante é simples: "se eu estou com a verdade e ele discorda de mim é que ele está com a mentira, e não se pode deixar que a mentira prospere". Logo, calar o mentiroso (ou o traidor da verdade) é um bem que se faz à pátria ou à humanidade ou a Deus ou ao partido. Existem verdades de diferentes pesos e, conforme o peso, mais grave ou menos grave será o erro praticado pelo discordante. Por exemplo, se minha verdade consiste em afirmar que o futebol-arte é melhor que o futebol-força, o máximo que pode resultar disto serão algumas tiradas irônicas mas, se estou convencido de que minha seita é a única que incorpora a verdade do Cristo Salvador, aí o discordante está do lado do Diabo, a encarnação do Mal. Até hoje me surpreendo com o que a igreja católica fez com os supostos hereges durante a Inquisição. Inventaram-se os mais sofisticados aparelhos de tortura para obrigar o acusado a confessar sua aliança com o Demônio. O coitado estava num beco sem saída: se não confessava era submetido a todo tipo de suplício; se confessava, era queimado vivo. Mal dá para acreditar que tais crueldades eram praticadas por religiosos, que pregavam a misericórdia e o amor ao próximo. Mas a coisa é de uma lógica simples e aterradora: exatamente por amarem a Deus e ao próximo, não podiam permitir que o herege fosse arrastado pelo Demônio às chamas eternas do inferno. Dentro desta perspectiva, a tortura e a morte na fogueira eram atos piedosos, a mais alta demonstração de amor ao próximo que a Igreja podia dar aos seus filhos! Pode parecer descabido falar hoje de uma coisa tão antiga quanto a Inquisição. Mas não é. O governo do Irã condenou à morte, há poucos anos, o escritor Salman Rushdy por ter escrito um livro considerado ofensivo ao Corão? E o que é a fúria homicida de Bin Laden e seus seguidores senão a expressão da intolerância dos que julgam estar de posse da verdade divina? Mas não só a convicção religiosa intolerante conduz à necessidade de exterminar o "infiel". A convicção político-ideológica também. Há exemplo mais lamentável de intolerância e barbárie que o nazismo? E que dizer do stalinismo? Lembro-me do comentário de uma amiga minha, companheira no partido comunista, a propósito da notícia de que um escritor soviético dissidente tinha sido internado num manicômio. -Tem que ser internado mesmo. Para discordar de um regime que só visa o bem do povo, o cara só pode estar louco. Por isso é que o espírito crítico - e particularmente o autocrítico - é essencial. Sem ele não há tolerância e conseqüentemente não há democracia. E só pode ter espírito autocrítico quem admite não ser dono da verdade e, mesmo, que não existem verdades absolutas, inquestionáveis. Este, aliás, é o ponto principal e sobre ele gostaria de tecer algumas considerações. Já escrevi aqui, mais de uma vez, que quem aceita a complexidade do real - do mundo, da vida - não pode ser sectário - dono da verdade - quem simplifica as coisas, ignora que todo problema contém diversos lados e contradições. Lidar com essa complexidade é, sem dúvida, difícil e desconfortável; muito mais cômodo é afirmar: "aquele sujeito é um imbecil" - em lugar de tentar entender as suas razões. Isto se vê a todo momento, especialmente nas discussões políticas. É a tática de desqualificação do outro. Em lugar de responder a seus argumentos, afirmo que ele é safado, desonesto, mau caráter. Veja bem, quando digo que se deve ser tolerante e que não existem verdades absolutas, não estou pregando o abandono das convicções firmes e das atitudes éticas. Umas e outras devem ser fruto do conhecimento e da reflexão, os quais nos conduzirão inevitavelmente a reconher que a realidade excede nossa capacidade de abrangê-la integralmente. O conhecimento e a reflexão nos conduzem à modéstia e à tolerância. Quando perguntaram a Marx qual a virtude intelectual que mais admirava, ele respondeu: a dúvida.
De "Coleções Melhores Crônicas - Ferreira Gullar".
Teria composto canções? Teria lançado mais discos? Teria escrito livros? Estaria com Yoko? Irritaria os fãs? Gritaria pelo povo? Encontraria Chapman? Rasgaria os jornais? Detestaria o papa? Sumiria do mapa? Velaria George? Rejeitaria web? Suportaria hipocrisia? Estaria em palco? Continuaria a sonhar?
Libertação. Elis Regina, na letra de Gonzaguinha, canta bem isso. Perco-me na música. Nela descubro porque viver faz sentido. É a busca incessante dessa liberdade, do Mundo Novo. Dentro da gente. Mundo Novo, Vida Nova
Buscar um mundo novo, vida nova E ver, se dessa vez, faço um final feliz Deixar de lado Aquelas velhas estórias O verso usado O canto antigo Vou dizer adeus Fazer de tudo e todos bela lembrança Deixar de ser só esperança E por minhas mãos, lutando me superar Vou traçar no tempo meu próprio caminho E assim abrir meu peito ao vento Me libertar De ser somente aquilo que se espera Em forma, jeito, luz e cor E vou Vou pegar um mundo novo, vida nova Vou pegar um mundo novo, vida nova.
Tem se tornado chato ultimamente falar de fuga de presos na província em que vivo. Nos últimos 3 meses, 3 fugas da cadeia. E se for contar as tentativas que os policiais acabam frustrando, a estatística já aumenta um pouco. E olha que estava tudo tranquilo. Quando já se passava reto do fim da folha de julho para o início da de setembro, eis que surge outro episódio. E lá vem as perguntas que estou cansado de fazer, a velha procura por novos caminhos pra tratar o assunto, que quase chegam as mesmas respostas... superlotação, falta de vagas, escassos funcionários.
Mas, por obra do acaso, encontrei esse texto do Rubem Alves que brinca com tema semelhante.
- Sugestão prática para resolver nosso problema penitenciário: Leio que o “Bóris“, criminoso da quadrilha do Andinho, fugiu da penitenciária. Parece que os criminosos fogem das penitenciárias quando querem. É claro que é preciso pôr um fim a esse estado de coisas. Aí eu tive uma idéia brilhante: é normal que os governos estabeleçam convênios de cooperação: um ajuda o outro. Acontece que a penitenciaria de Alcatraz, a mais famosa de todas, foi desativada. Ela está localizada num local aprazível, charmoso, cobiçado por turistas, uma ilha na baía de S. Francisco com vista para a Golden Gate Bridge, se não me engano. Pensei: que desperdício! Aquela fortaleza magnífica, vazia. Aí pensei que o governo brasileiro poderia fazer um convênio com o governo Bush: em troca da nossa cooperação no combate ao terrorismo, o governo americano nos alugaria Alcatraz, para o combate ao crime. Nada mais prático. Pois é certo que os criminosos se sentiriam felizes por estar num lugar tão privilegiado, tão famoso. Não quereriam fugir. Viveriam a gozar as delícias daquele condomínio cercado por mar e poderiam se dedicar a atividades que eventualmente comoveriam o seu coração e os tornariam sábios e ordeiros... É preciso notar, também, que sobre aquela região paira a possibilidade de um terremoto gigantesco que levaria tudo para o fundo do oceano.
Rubem Alves. "Quarto de Badulaques (VIII)". Correio Popular, 31 de março de 2002.
Palavra é fugidia. O sentimento transborda, o pensamento voa na lembrança. As horas passam em recordações que avançam o silêncio da noite no encontro ao dia. O ponteiro corre diante de tantos momentos especiais para recordar. Se ganhassem telas, as galerias seriam infinitas. Quadros pintados a múltiplas mãos em profusão de cores sem obedecer a convenções ou formas. Tinta para todos os lados. O brilho ofuscaria quem olhasse. Se assumissem a projeção de um filme, faltaria película para retratar tanta coisa. Instantes de magnífica beleza de vida, vivida intensamente. Lições de que à memória não cabe o espaço, não cabe o tempo, não há métrica que dê a medida. Mas em toda essa imensidão, Andressa, o teu sorriso aparece em toda a parte. Com o nome de princesa que te foi dado, nada mais justo ser lembrada pela ternura do gesto mais simples e encantador. E é assim que tem acontecido nos últimos dias. Todos devem ter lembrado esse sorriso de feição angelical e um olhar diferente. Há algo de perfeição, irmã, de divino na forma com que o espalha em todas as recordações. É difícil buscar sentido ou respostas. Mas para mim, o sorriso que aparece na memória não exige explicações. Apenas envia a mensagem de que é preciso viver com alegria e braços abertos para o mundo.
Ao telefone, Saulo perguntou à irmã, Anita, o que seu pai precisava. -Ele está sem chinelo. Da última vez que fui lá, estava usando um muito simples e velho. Era a deixa para Saulo. Comprou o chinelo, percorreu 215 km e entregou o presente. O pai, Jair, não é daqueles que se queixa se alguém vai se lembrar dele ou não no Dia dos Pais. Vive com a mulher Guta, que já perdeu as contas dos anos vividos, em uma casa aos fundos de outra num declive que os esconde do resto do mundo. Ele, com 78, e ela, 79, vêem apenas o alvorecer e a noite cair no resto de vida que há de se levar. -Quantos anos vou fazer? Setenta e...? -Nove, responde Jair. Difícil cobrar à memória embaralhada pelo tempo daquela senhora quantos anos já viveu. Às vezes, tal como criança, maldiz a casa, que não cabe mais nas lembranças dispersas. Mas Jair abriu um sorriso diferente aquele dia. Por trás dos óculos amarelados e da pele flácida do rosto magro, carregava o brilho no olhar de ser lembrado. Não era só o chinelo que lhe fazia contente, trançado em couro qual sandália, envolvendo pela primeira vez pés finos, alvos, base reta e grossa. Era o beijo que o filho cinquentenário vinha lhe trazer, o alívio de passar um breve tempo juntos a conversar na varanda. Eles, as esposas e um neto de Jair, Jorge, num dia de sol descortinado por tanto tempo de chuva e frio. E falaram da vida, de parentes, da reforma no banheiro da casa. Riram, lamentaram, conformaram e despediram-se. Jair acompanhou Saulo, sua nora Aurora e o neto, dos fundos até o portão. Guta já não sobe mais degraus e rampas e fica com a diarista, que por vezes é cuidadora. Mas as pernas finas de Jair ainda o levam. Chorou mais uma partida entre tantas e agradeceu a visita. Religiosamente, terminou com o “Vão com Deus”. E foram.
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Nos fundos da casa, cheiro de churrasco. Era Zé que assava pedaços suculentos de filé ao sol quente do começo de tarde em agosto. Boné na cabeça para proteger a careca e os poucos cabelos ao redor, brancos como as nuvens, que resolveram não aparecer no céu daquele dia. A carne na grelha de uma pequena churrasqueira sempre foi a especialidade e a melhor forma de receber os entes queridos. Reunião de família sem o churrasco não era reunião de família. -Eles gostam bem passada. Mas essa aqui ‘tá meio no ponto’. Belisca aí. Queixava-se ainda não estar tudo pronto. Saulo e a filha Aurora acabam de chegar. Não tardou para que ela mostrasse à mãe Maria e à irmã Elis o presente que daria ao pai. O sobrinho, o pequeno João Paulo, 4 pequenos anos, logo arrancou a sacola da mão e correu sala adentro, cozinha e varanda. -Vô, vôôô. Ó o teu presente, gritou subindo a escada. O vô Zé riu sem jeito e achando graça. Tirou a caixa da sacola e abriu. Era um perfume, presente favorito, com o qual banhava-se depois da ducha diária. A caixa azul, semelhante ao perfume da propaganda na TV, logo provocou alvoroço no menino. -Era bem esse que eu queria dar. O vô preocupado com a proximidade do presente com a churrasqueira, já ia pedindo pra guardar. Mas logo foi interrompido. -Não vai me dar um abraço? -Papagaio come milho, periquito leva a fama! sacou a tia Aurora. Entre gargalhadas, João Paulo ganhou o abraço forte do Vô Pai.
Aperta firme a delicada mão da dançarina. Aproxima-se... rápido movimento. Puxa pelo braço esquerdo. Com o direito, lance rápido. Apoio a pequenas costas. O tecido liso... do vestido, da pele. Acima, o grosso ombro do paletó. Ela elástica, ele inabalável. Paralisia do instante. Cheiro Olhos cerrados Beija-flor
(A foto não é minha. É de um espetáculo chamado "Tango a Tierra", São Paulo, março de 2007. Pena que não encontrei o crédito)
Canta, Gal Costa, canta! Você sabe bem cantar a paixão. Expressa o que quero dizer, mas nem sei como, a alguém que amo tanto. Dizes um pouco de um dos momentos mais lindos que vivi.
Te Adorar Gal Costa Composição: Lokua Kanza/ Carlos Rennó
Nada mais me atrai Que tua tez morena, ai, ai, ai. Talvez por eu ser o teu servo, Com certa obsessão a observo.
Nada faz brilhar E agrada mais ao meu olhar; Pois se eu te vejo, meu buquê, Vejo o que eu mais desejo ver...
A te adorar, parado em ser teu par, A te adorar, dourar, dourar... Te ver me dar tudo que és, Da cabeça até os pés.
Nada mais me traz Felicidade e paz Do que ver-te, ver-te sorrir; É como sorver um elixir.
Fico a te focar; Mergulho fundo no teu olhar. Mesmo quando o gozo já vem, Eu me afundo bem ali e além...
A te adorar, parado em ser teu par, A te adorar, dourar, dourar... Te ter, me dar a tudo que és, Da cabeça até os pés.
Te adorar... Te adorar, dourar, dourar... Te ver me dar tudo que és, Da cabeça até os pés.
Te adorar... Te adorar, dourar, dourar... Te ver me dar tudo que és, Dez mil vezes, mil vezes dez!
Há certas músicas que parecem tão nossas... E nem se sabe o motivo. Não adianta tentar explicar, porque basta que ela toque e uma sensação estranha, um sentimento intenso vai preenchendo a alma, sem explicação. Comigo, há aquelas que tocam em alguns momentos. Deixei os deveres da vida (que me gritavam) de lado e me peguei ouvindo hoje "The Division Bell", do Pink Floyd. É meu grupo de rock favorito, mas tinha dado um tempo. No entanto, voltei a ouvi-lo e tirei esse álbum dos arquivos. Bem, poderia dizer que "Wearing the inside out" talvez fosse a minha canção agora. Essencialmente introspectiva, é própria de quem está saindo de suas sombras. Você mergulha, mergulha, e depois busca a luz com todas as forças. O mar é você mesmo.
Mas quando falo da sensação estranha no início do texto, não é dessa música que falo. É de "Poles Apart". É simplesmente linda! Arrepia fácil. Transborda! Não tenho vergonha em dizer que dá vontade de chorar, não de tristeza, mas de emoção. E nem preciso fechar os olhos para sentir tudo isso. Inexplicável...
Pra saber do que estou falando, confira, com vídeo, letra original, tradução e tudo o mais. Poderia escrever, escrever, mas qualquer adjetivação é limitada:
Poles Apart
Did you know... It was all going to go so wrong for you And did you see it was all going to be So right for me Why did we tell you then You were always the golden boy then And that you'd never lose that light in your eyes
Hey you... Did you ever realise what you'd become And did you see That it wasn't only me you were running from Did you know all the time But it never bothered you anyway Leading the blind While I stared out the steel in your eyes
The rain fell slow Down on all the roofs of uncertainty I thought of you and the years And all the sadness fell away from me And did you know...
I never thought that you'd lose That light in your eyes
Extremos Opostos
Você sabia... Que tudo daria mal para você (?) E você viu que tudo iria Tão bem para mim (?) Porque dissemos a você então (?) Você sempre fora o garoto-de-ouro naqueles tempos E você nunca perderia aquele brilho no olhar
Ei você... Você já conseguiu perceber o que você tornou (?) E você viu Que não era só de mim que você fugia (?) Você sabia o tempo todo E isso nunca te incomodou (?) Liderando os tolos Enquanto eu observava a frieza em seus olhos
A chuva caiu lenta Abaixo nos telhados da incerteza Eu pensei sobre você e todos os anos E toda a tristeza caiu sobre mim E você sabia... (que)
Eu nunca pensei que você perderia Aquele brilho no olhar (?)
Obs.: Quem quiser ouvir todo o disco, é facinho achar na rede. Não vão se arrepender. Obs. 2: Foi difícil achar um vídeo da música. Esse só tem a capa do álbum, mas isso é o que menos importa.
Se eu pudesse, mandaria um anjo ao lado das pessoas que mais amo. Esse anjo as acolheria entre os braços e lhes transmitiria todo o calor necessário, quando o frio chegasse. Se o choro viesse na angústia das noites da alma, ele limparia as lágrimas. Daria um abraço forte, inteiro, em que se une uma mão a outra. Depois, apertaria a cabeça sobre o peito pra fazer um cafuné, em gesto devagar com as mãos. Passaria os dedos entre os cabelos, até que viesse o sono, tranquilo, completo. Durante a noite, o anjo ficaria ao lado, pra certificar que não houvesse perturbação por qualquer ruído. Os sonhos seriam os mais belos, sem energias ruins, um mundo de amor entre as pessoas. E o anjo permaneceria ali, cobrindo com as mãos quentes de afeto. O despertar viria sob a beleza dos primeiros raios de sol do dia. E tudo teria passado, como se nada houvesse acontecido.
Menina descalça Pontas dos dedos A sentir o mundo Sob os seus pés. A grama fria Logo esquenta Em um grande calor Que emana do ser Vive a captar A energia natural De todas as coisas E depois transmite No fluído corporal É suor a mostrar Que vive plena! Caminha ao vento Em carícia com a terra Dedos lisos e molhados De frente para o vento Encontram outros dedos De alguém feliz Em sentir o toque Da ardente brasa Na relva florida onde emaranham pés Origem dos corpos unidos em pernas, troncos, braços que se abraçam, em sagrada dança. Ah, menina descalça! Que ainda caminha No coração deste sonhador.
Atirei um limão n’água e fiquei vendo na margem. Os peixinhos responderam: Quem tem amor tem coragem.
Atirei um limão n’água e caiu enviesado. Ouvi um peixe dizer: Melhor é o beijo roubado.
Atirei um limão n’água, como faço todo ano. Senti que os peixes diziam: Todo amor vive de engano.
Atirei um limão n’água, como um vidro de perfume. Em coro os peixes disseram: Joga fora teu ciúme.
Atirei um limão n’água mas perdi a direção. Os peixes, rindo, notaram: Quanto dói uma paixão!
Atirei um limão n’água, ele afundou um barquinho. Não se espantaram os peixes: faltava-me o teu carinho.
Atirei um limão n’água, o rio logo amargou. Os peixinhos repetiram: É dor de quem muito amou.
Atirei um limão n’água, o rio ficou vermelho e cada peixinho viu meu coração num espelho.
Atirei um limão n’água mas depois me arrependi. Cada peixinho assustado me lembra o que já sofri.
Atirei um limão n’água, antes não tivesse feito. Os peixinhos me acusaram de amar com falta de jeito.
Atirei um limão n’água, fez-se logo um burburinho. Nenhum peixe me avisou da pedra no meu caminho.
Atirei um limão n’água, de tão baixo ele boiou. Comenta o peixe mais velho: Infeliz quem não amou.
Atirei um limão n’água, antes atirasse a vida. Iria viver com os peixes a minh’alma dolorida.
Atirei um limão n’água, pedindo à água que o arraste. Até os peixes choraram porque tu me abandonaste.
Atirei um limão n’água. Foi tamanho o rebuliço que os peixinhos protestaram: Se é amor, deixa disso.
Atirei um limão n’água, não fez o menor ruído. Se os peixes nada disseram, tu me terás esquecido?
Atirei um limão n’água, caiu certeiro: zás-trás. Bem me avisou um peixinho: Fui passado pra trás.
Atirei um limão n’água, de clara ficou escura. Até os peixes já sabem: você não ama: tortura.
Atirei um limão n’água e caí n’água também, pois os peixes me avisaram, que lá estava meu bem.
Atirei um limão n’água, foi levado na corrente. Senti que os peixes diziam: Hás de amar eternamente.
As sem-razões do amor
Eu te amo porque te amo. Não precisas ser amante, e nem sempre sabes sê-lo. Eu te amo porque te amo. Amor é estado de graça e com amor não se paga.
Amor é dado de graça, é semeado no vento, na cachoeira, no eclipse. Amor foge a dicionários e a regulamentos vários.
Eu te amo porque não amo bastante ou demais a mim. Porque amor não se troca, não se conjuga nem se ama. Porque amor é amor a nada, feliz e forte em si mesmo.
Amor é primo da morte, e da morte vencedor, por mais que o matem (e matam) a cada instante de amor.
A língua lambe
A língua lambe as pétalas vermelhas da rosa pluriaberta; a língua lavra certo oculto botão, e vai tecendo lépidas variações de leves ritmos.
E lambe, lambilonga, lambilenta, a licorina gruta cabeluda, e, quanto mais lambente, mais ativa, atinge o céu do céu, entre gemidos,
entre gritos, balidos e rugidos de leões na floresta, enfurecidos.
Para sempre
Por que Deus permite que as mães vão-se embora? Mãe não tem limite, é tempo sem hora, luz que não apaga quando sopra o vento e chuva desaba, veludo escondido na pele enrugada, água pura, ar puro, puro pensamento.
Morrer acontece com o que é breve e passa sem deixar vestígio. Mãe, na sua graça, é eternidade. Por que Deus se lembra - mistério profundo - de tirá-la um dia? Fosse eu Rei do Mundo, baixava uma lei: Mãe não morre nunca, mãe ficará sempre junto de seu filho e ele, velho embora, será pequenino feito grão de milho.
Me escondi Pra não ter que ver você dizer Coisas que eu não merecia ouvir Era você ou eu
Escolhi O pior lugar pra me esconder Me tranquei por dentro de você E não sei mais sair
Pela rua penso em ti Volto em casa, penso em ti No trabalho sem querer Quando vejo tô pensando em você E surgi de onde eu não imaginei E aprendi que eu nunca sei Enganar meu coração
Escrevi frases soltas pelo chão Esperei você dormir Pra jurar minha paixão
Escolhi O pior lugar pra me esconder Me tranquei por dentro de você E não sei mais sair
Pela rua penso em ti Volto em casa, penso em ti No trabalho sem querer Quando vejo tô pensando em você E surgi de onde eu não imaginei E aprendi que eu nunca sei Enganar meu coração
Escrevi frases soltas pelo chão Esperei você dormir Pra jurar minha paixão
A onda ainda quebra na praia, Espumas se misturam com o vento. No dia em que ocê foi embora, Eu fiquei sentindo saudades do que não foi Lembrando até do que eu não vivi pensando nós dois.
Eu lembro a concha em seu ouvido, Trazendo o barulho do mar na areia. No dia em que ocê foi embora, Eu fiquei sozinho olhando o sol morrer Por entre as ruínas de santa cruz lembrando nós dois
Os edifícios abandonados, As estradas sem ninguém, Óleo queimado, as vigas na areia, A lua nascendo por entre os fios dos teus cabelos, Por entre os dedos da minha mão passaram certezas e dúvidas
Pois no dia em que ocê foi embora, Eu fiquei sozinho no mundo, sem ter ninguém, O último homem no dia em que o sol morreu
Há pessoas com quem você não se consegue desligar. São tantas coisas vividas juntos que o tempo vira mera arbitrariedade, convenção tão pequena, ínfima... Ah, régua humana limitada! Fica um elo tão forte que a tentativa de negá-lo, mesmo que a toda força, torna-se a maior das brigas. É conflito tempestuoso, doloroso, porque saltam canhões a apontar contra... si mesmo. A tentativa de preencher o vazio deixado vira uma batalha injusta com aquilo que se sente. Porque fica a ânsia pelo arroubo, o impulso de vida vindo daquela energia que circulava até há pouco tempo. A essência ainda está ali, impregnada em você, em algum lugar que não consegue explicar, por mais que vasculhe os cantos da alma. Mas, como em um teatro shakesperiano, afloram os dramas humanos, em dúvidas, incertezas. E se há trilha sonora, violinos abrem uma sinfonia em tom agudo, num lamento entrecortado por flautas, clarinetes, trompas e trombones. Os instrumentos somam-se nessa orquestra descontrolada, formando um tutti, que retoma o agudo dos violinos ao final. A vontade é de mudar a sinfonia ou a peça, mas se percebe que nem tudo é tão simples. Fica o desejo de algo sem fim, com um perfume de rosas a cobrir e resgatar a força de momentos felizes. Em cena, pétalas se juntam num mosaico imenso, sem que se consiga ver o horizonte, celebrando o encontro. Que desse impulso imaginativo elas se materializem e o vento as carregue por léguas, nem que sobre ao menos uma delas...
segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010
Catch The Wind
(Segure o Vento)
In the chilly hours and minutes, Nas horas frias e minutos,
Of uncertainty, I want to be, De incerteza,eu quero estar,
In the warm hold of your loving mind. No calor seguro de sua mente amorosa.
To feel you all around me, Sentir você a minha volta,
And to take your hand, along the sand, E pegar sua mão, ao longo da areia,
Ah, but I may as well try and catch the wind. Ah, mas eu posso também tentar e pegar o vento.
When sundown pales the sky, Quando o pôr-do-sol empalidecer o céu,
I wanna hide a while, behind your smile, Eu quero me esconder um instante, atrás do seu sorriso,
And everywhere I'd look, your eyes I'd find. E todos que eu olharia, seus olhos eu encontraria.
For me to love you now, Para eu te amar agora,
Would be the sweetest thing, 'twould make me sing, Seria a coisa mais doce, me faria cantar,
Ah, but I may as well, try and catch the wind. Ah, mas eu posso também, tentar e pegar o vento.
When rain has hung the leaves with tears, Quando a chuva derrubou as folhas com lágrimas,
I want you near, to kill my fears Eu quero você por perto, para matar os meus medos
To help me to leave all my blues behind. Para me ajudar a deixar todas as tristezas para trás.
For standin' in your heart, Ficar no seu coração,
Is where I want to be, and I long to be, É onde eu quero estar, e muito tempo estar,
Ah, but I may as well, try and catch the wind. Ah, mas eu posso também, tentar e pegar o vento.
Li este poema há pouco e acho que reflete bem o meu momento. Os telegramas chamam para a necessidade de olhar a si mesmo. A casa é a alma, sedenta de purificação. De uma limpeza da "caixinha de telegramas". Ou talvez a alma seja a cidade enigmática, que me chama diante da paralisia... Ou talvez eu esteja mais uma vez divagando, com interpretações outras de um poema.
Notícias Carlos Drummond de Andrade
Entre mim e os mortos há o mar e os telegramas Há anos que nenhum navio parte nem chega. Mas sempre os telegramas frios, duros, sem conforto.
Na praia, e sem poder sair. Volto, os telegramas vêm comigo. Não se calam, a casa é pequena para um homem e tantas notícias.
Vejo-te no escuro, cidade enigmática. Chamas com urgência, estou paralisado. De ti para mim, apelos, de mim para ti, silêncio. Mas no escuro nos visitamos.
Escuto vocês todos, irmãos sombrios. No pão, no couro, na superfície macia das coisas sem raiva, sinto vozes amigas, recados furtivos, mensagens em código.
Os telegramas vieram no vento. Quanto ao sertão, quanta renúncia atravessaram! Todo homem sozinho devia fazer uma canoa e remar para onde os telegramas estão chamando.
Confesso que não conhecia essa música. Deve ser famosa, mas eu nunca a tinha ouvido. Mas ela é tão tocante que foi impossível conter o choro. Porque descreve bem o que é ser pai, te transporta a posição paternal numa linguagem simples e imensamente bela. Não sei mexeu comigo pelo meu lado pai ainda latente (rsrs)... Mas acho que qualquer um se emociona. A sonoridade também é simples, pelo menos no álbum "Vinicius/Toquinho". Voz, violão e piano. Mas é carregada de poesia e é extremamente cenográfica, por retratar a relaçao pai-filho do nascimento à morte. Na verdade, não há morte, apenas a continuidade da vida. Coloquei o link ao final da letra com um vídeo onde a canção pode ser apreciada. Ainda estou aprendendo a ter um blog. Peço perdão por eventuais falhas. Só não tem o acompanhamento do piano do original. Mas já serve.
O Filho Que Eu Quero Ter
Composição: Toquinho/ Vinicius de Moraes
É comum a gente sonhar, eu sei, quando vem o entardecer Pois eu também dei de sonhar um sonho lindo de morrer Vejo um berço e nele eu me debruçar com o pranto a me correr E assim chorando acalentar o filho que eu quero ter Dorme, meu pequenininho, dorme que a noite já vem Teu pai está muito sozinho de tanto amor que ele tem
De repente eu vejo se transformar num menino igual à mim Que vem correndo me beijar quando eu chegar lá de onde eu vim Um menino sempre a me perguntar um porque que não tem fim Um filho a quem só queira bem e a quem só diga que sim Dorme menino levado, dorme que a vida já vem Teu pai está muito cansado de tanta dor que ele tem
Quando a vida enfim me quiser levar pelo tanto que me deu Sentir-lhe a barba me roçar no derradeiro beijo seu E ao sentir também sua mão vedar meu olhar dos olhos seus Ouvir-lhe a voz a me embalar num acalanto de adeus Dorme meu pai sem cuidado, dorme que ao entardecer Teu filho sonha acordado, com o filho que ele quer Ter.
-João do céu! O teu pai está com os nervos à flor da pele hoje!
-Nossa! Por quê?
-Acho que é por causa da Dressa. Você vai ter que dar muitos conselhos, pro bem dele.
-Mas o que está acontecendo?
-Ele tem lembrado muito dela. Acho que está preocupado também com o cateterismo, pelo que percebi. Está ansioso. Mas vai dar tudo certo e logo ele vai se acalmar.
É , Pai, conselhos eu não sei se tenho pra te dar. Muitas vezes a palavra me foge. Vem o nó na garganta, que logo denuncia que não sei bem o que fazer. Você sempre fala as coisas. Não fica pensando no que dizer. O teu conselho é incisivo. É daqueles dados com a certeza de quem ama e quer o bem. Vem do coração. Eu, na tua presença, até falo alguma coisa. Mas o que digo fica muito pequeno diante da nobreza e da grandeza de teus sentimentos. O que poderia dizer eu para uma pessoa que dedica toda sua vida a mulher e filhos? Eu posso tentar imaginar o que é isso, mas, no fundo, eu não sei. Sentimento não é para se esconder, não é para guardar ou para segurar. Por isso, Pai, só peço para que você não deixe que os sentimentos te afoguem, te apertem. Eles parecem querer transbordar. Mas evite deixá-los explodir, por mais difícil que seja em alguém que ama tanto. Porque o que mais quero é que o coração continue batendo forte.
Outro texto sobre pai e inspiração: http://tatilazz.blogspot.com/2009/11/desaniversario.html